terça-feira, 13 de janeiro de 2015

LADEIRA DO LARGO DE SÃO FRANCISCO!!!!!!

recho do pitoresco livro "Fantasmas da São Paulo Antiga", de Miguel Milano: "Uma casa térrea, situada no Largo do Ouvidor – esqui‑
na da Ladeira de São Francisco, fronteira à estátua de José
Bonifácio, o Moço – muitas vezes me obrigou a passar pela

calçada oposta, antes de conhecer a realidade dos fatos que
a ela se prendiam.
Contava‑se em voz misteriosa, como a temer uma vin‑
gança do fantasma, que à meia‑noite em ponto as portas e
janelas daquela casa se abriam e fechavam fragorosamente doze vezes, findo o que saía à rua um alto vulto embuça‑
do num manto branco e começava a rolar ladeira abaixo,
emitindo dolorosos ais!
O fato repetia‑se invariavelmente todas as noites, pon‑
do notívagos e guardas em desabalada carreira até suas
casas, onde chegavam derreados e sem fala.
Alguns encafuavam‑se debaixo das cobertas, calça‑
dos e vestidos, tal o pavor de que ficavam possuídos.
Os moradores circunvizinhos escoravam as portas
dos fundos com trancas e pesados móveis, certos de que,
assim procedendo, o fantasma não lhes entraria em casa.
Às nove horas (21 horas), o mais tardar, recolhiam‑se aos
aposentos, forcejando por adormecer.
A notícia da aparição espalhou‑se logo, avultou com
detalhes centuplicados, e em pouco ninguém mais passava
pelo largo, ao aproximar‑se a hora fatal.
Um caso sério o tal fantasma, e bem no coração da cidade!
Decorrido algum tempo, calhou aproximar‑se da casa
assombrada o mulato Piúva, no momento em que o reló‑
gio da Academia soava os quartos de hora para depois
bater as doze badaladas.
Piúva, sujeito valente, bem servido de músculos e não
chumaços de algodão, estava meio alcoolizado e dirigia‑se
para sua casa, à Rua de Santo Amaro. Absolutamente não
ligou ao forte bater de portas e janelas, e começou a descer
a Ladeira de São Francisco, arrastando a bengala de piúva
que lhe dera o apelido.
Súbito, porém, ouviu gemidos atrás de si. Parou, voltou‑
‑se, e, equilibrando‑se o mais possível, apoiado à benga‑
la, abriu quanto pode os pequeninos olhos injetados de
álcool. Sorriu, lembrando‑se do que corria de boca em
boca sobre aquela aparição, e monologou: – Coitado do fantasma!… Que lhe terá acontecido para
gemer assim? Vamos ver.
Admirado de tanta coragem, ao tê‑lo quase ao alcance
das mãos, o fantasma tratou de levantar‑se e fugir. Mas foi
tarde, porque valente bengalada de Piúva alcançou‑lhe a
cabeça, estendendo‑o ao chão.
As bengaladas choveram então, ouvindo‑se numerosos
e verdadeiros ais!, que o mulato repetia como eco, admi‑
rado de que a assombração preferisse apanhar daquela
maneira a desaparecer.
De repente o fantasma ajoelhou‑se e exclamou, de
mãos postas, em sua meia língua:
– Piedade! Senhor… não me mate.
Piúva suspendeu a pancadaria. Retirou‑lhe o lençol que
o envolvia, já manchado de sangue, e deu de cara com o
francês Forster, morador do prédio do Largo do Ouvidor,
que tomara a empreitada de amedrontar os pobres tran‑
seuntes que por ali passavam.
A brincadeira de mau gosto custou ao senhor Forster
muitos dias de cama e respeitável despesa com médico e
botica, e a cidade de São Paulo perdeu, para sempre, um
dos seus fantasmas mais temidos."




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